Entre a formalidade e a efetividade: a leitura garantista do STJ sobre o art. 274, parágrafo único, do CPC

Interpretação garantista do artigo 274, parágrafo único, do CPC à luz do entendimento do Superior Tribunal de Justiça firmado no Agravo Interno no Recurso Especial 1.323.676/MA

11/26/20252 min read

ENTRE A FORMALIDADE E A EFETIVIDADE: A LEITURA GARANTISTA DO STJ SOBRE O ART. 274, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC

O acórdão do Superior Tribunal de Justiça no AgInt no Recurso Especial nº 1.323.676/MA, relatoria do Ministro Raul Araújo (j. 25.10.2021), representa uma inflexão relevante na interpretação do art. 485, §1º, c/c o art. 274, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 2015.

Tradicionalmente, a doutrina majoritária entende que, para a extinção do processo por abandono da causa, é indispensável a intimação pessoal do autor, presumidamente válida quando realizada no endereço constante dos autos, ainda que desatualizado. Isso porque, a regra prevista no art. 274, parágrafo único, do CPC prevê que “presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação [...] não tiver sido devidamente comunicada ao juízo”.

Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior afirma que a intimação pessoal é requisito de validade da extinção, mas que o ônus de manter o endereço atualizado recai sobre a parte, cuja negligência atrai a presunção de ciência[1]. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery igualmente observam que “a medida busca evitar protelação por meio da esquiva da parte a ser intimada, já que a atualização do endereço em que se receberão as intimações é considerada dever de todos os que participam do processo”[2].

O STJ, entretanto, foi além dessa compreensão. No referido acórdão, entendeu que, ainda que tenha havido tentativa de intimação pessoal no endereço constante dos autos, se restar infrutífera, o juiz deve esgotar todas as formas possíveis de comunicação, inclusive por edital, antes de extinguir o processo por abandono. Com isso, o Tribunal relativizou a presunção de validade da intimação prevista no art. 274, parágrafo único, introduzindo um dever judicial de diligência ampliada.

A ratio decidendi do julgado é de índole garantista e substancial, alicerçada na ideia de que o aparente abandono da causa pode decorrer não da vontade da parte, mas de fatores alheios à sua ciência ou controle, como falecimento, doença grave ou desídia do advogado. Assim, o STJ desloca o foco do processo formal — centrado no cumprimento objetivo dos requisitos de comunicação — para o contraditório efetivo, entendido como participação real e informada da parte.

Esse entendimento, portanto, representa um passo além da literalidade do texto legal e da doutrina clássica, conferindo concretude ao princípio da cooperação processual (art. 6º do CPC) e à dimensão substancial do contraditório, que exige não apenas a formalidade da comunicação, mas a efetiva possibilidade de ciência. Trata-se, em suma, de uma virada interpretativa que reforça o compromisso do processo civil contemporâneo com a proteção da confiança e a efetividade da defesa, mesmo em hipóteses tradicionalmente marcadas pela rigidez procedimental, como o abandono da causa.

[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 61. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, item 410, p. 578.

[2] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 23. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2025, comentários ao art. 274, item 4.